“Causos de Aviação”

O Pezinho do Cagaço

17/07/2009 

 

Estávamos no extinto CFPM (Centro de Formação de Pilotos Militares) em Natal, o “Aviador” já solo no T-23, Zarapa (née Uirapuru), terminada as “manobras de precisão” e a série de “aproximações” está sendo entronizado nos segredos e nas delícias do voo de grupo. Esta é a sua segunda missão neste novo capítulo de sua vida aeronáutica, ou “vidaer”, como queiram.

 

Ocorre que o “Aviador”, aluno do 2° Esquadrão de Instrução Aérea, ou 2° EIA, como o chamávamos em nossa intimidade de azes da aviação, pertencia a uma esquadrilha que era comandada por um 1° Tenente muito fino e educado que, por pura incompreensão de seus comandados, era considerado algo... como direi? Efeminado. Isso só porque, entre outras coisas, o “Comandante de Esquadrilha Educado” chamava o capacete de voo de “Crash Helmet”. Pura intolerância. Hoje essa atitude politicamente incorreta poderia ser facilmente enquadrada como homofobia.

 

Bem, mas voltemos ao que importa, em sua segunda missão de voo de grupo o “Aviador” foi escalado para voar com o “Comandante de Esquadrilha Educado”, ao invés de seu habitual instrutor. Esquecemos de dizer que, em adição a sua já proverbial educação, o “Comandante de Esquadrilha Educado” era também algo temperamental e não morria de amores pelo “Aviador”, quem, em sua opinião, não estava apto nem para pilotar uma carroça, quando mais um “mais pesado que o ar”, caríssimo ativo pago pelos suados impostos dos contribuintes.

 

Dentro desse ambiente, altamente acolhedor e motivador, tentava o “Aviador” manter seu avião na posição de ala, algo muito difícil, pois exige um esforço sobre humano, imaginem ter que controlar um objeto voador em três eixos, vertical, horizontal e longitudinal. Haja coordenação!

 

Lutando contra essas dificuldades praticamente insolúveis, tinha a sensação de que simplesmente o avião se recusava ficar na posição pré-determinada. Ainda, temos que admitir, aquela inquietante proximidade com o avião líder fazia, ainda que inconscientemente, “calçasse” o pé direito no pedal do “palonier” (leme), também chamado de “pezinho do cagaço”, tornando o voo bastante descoordenado.

 

Ocorria que o “Comandante de Esquadrilha Educado” ao invés de corrigir-lhe verbalmente a conduta, enfiava-lhe a “porrada” na perna direita, cada vez que percebia que o avião estava desalinhado, ou seja, quase o tempo todo. Meia hora se passou nesta angústia, sem saber se o que mais lhe doía era o orgulho ferido, pela incompatibilidade com o avião, ou a dor na perna já, a essa altura, tremendamente surrada, o “Aviador” não se conteve e deu um tremendo chute com o pé direito no pedal, provocando uma forte derrapagem no avião.

 

O “Comandante de Esquadrilha Educado” solta um gritinho de susto e, a partir daí, fecha-se em um incômodo silêncio e imobilidade. O líder do grupo, também assustado com a derrapagem de seu ala, percebendo que algo de anormal se passava no avião ao lado, trata rapidamente de rumar para a base.

 

Aviões pousados, motores cortados e aquele silêncio pesado prevalece, sem se falarem seguem cada um para o seu lado, o “Comandante de Esquadrilha Educado” para preencher a ficha de voo do animal que quase acabara por tirar-lhe a vida e o “Aviador” para a sala de “briefing” do Esquadrão, certo de que sua brilhante carreira aeronáutica estava encerrada.

 

Alguns minutos depois, como um furacão, adentra à sala de “briefing” o instrutor do “Aviador” e sem meias palavras, carinhosamente como sempre, vai logo dizendo:

― “Porra caga-pau, que merda você fez lá em cima? O homem vai te desligar agora mesmo”.

 

Mal contendo as lágrimas de dor e com o orgulho ferido, o “Aviador”, perde o pudor e abaixando o macacão de voo, mostra ao instrutor sua perna roxa das porradas levadas.

 

Indignado o instrutor e seu melhor amigo, hoje Major Brigadeiro reformado, mas à época também apenas um simples 2° Tenente, levantam-se e se dirigem ao “Comandante de Esquadrilha Educado”, que ainda caprichava nos termos da ficha que haveria de desligar aquele indisciplinado e rebelde “Aviador”.

 

O que lá foi dito entre eles, até hoje ninguém sabe, pois além de alguns: ― “Você é mesmo muito babaca”; ditos, em altos brados, pelo instrutor e seu amigo, muito pouco se pode depreender, o fato é que, no final do dia o “Aviador” continuou com sua luta para dominar a “fera avoadora” e a Esquadrilha recebeu um novo comandante, nunca mais se tendo ouvido falar do “Comandante de Esquadrilha Educado”.

 

É parece que aquele foi o dia da caça, só para variar.

 

68-114 Brasil
Abel Brasil Pedro - Asp. Of. Av. R2