“Causos de Aviação”

PQD Grandão

17/07/2009

 

Terminado o curso na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, a turma estava bastante reduzida, mais da metade de seus componentes haviam ficado pelo caminho, pelos mais diversos motivos. Duzentos alunos foram enviados para o CFPM (Centro de Formação de Pilotos Militares) em Natal e para completar o efetivo cinquenta novos componentes foram adicionados à turma. Eram chamados PQD’s, paraquedistas, pois haviam caído, como de paraquedas no meio da turma.

 

Todos eram gente boa e rapidamente se integraram à turma Um em especial era muito marcante: grandalhão, espadaúdo, com uma voz tonitruante, tinha um andar gingado e uma risada característica, que o identificava onde quer que fosse, devido a forma como ia crescendo tanto em intensidade, quanto em volume. Para identificá-lo sem que tenhamos que lhe citar o nome, chamá-lo-emos: “Dorso de Terras Incultas”.

 

“Dorso de Terras Incultas”, durante a instrução primária de voo era aluno de um instrutor muito gozador a quem chamaremos de “Só Rápido”. “Só Rápido”, quando do início da instrução aérea, fazia com que “Dorso de Terras Incultas” voasse com um saco plástico no bolso do macacão de voo, a fim de evitar acidentes desagradáveis em decorrência de alguma indisposição estomacal, isso porque, nos aviões da FAB, não são fornecidos os conhecidos “saquinhos de enjoo”.

 

Cabra sacudido “Dorso de Terras Incultas” jamais teve necessidade de usar o saco plástico para o fim a que este se destinava, pois possuía um estômago que era uma verdadeira betoneira, triturava tudo sem problemas, até mesmo aquele rancho terrível de Natal.

 

Entretanto não usar o saco plástico para o fim primário a que se destinava, não significa dizer que “Dorso de Terras Incultas” jamais tenha necessitado de seus préstimos. Certa feita, no meio de um voo de instrução, com seu instrutor, “Dorso de Terras Incultas” sentiu uma necessidade premente de urinar. Tentou se controlar concentrando-se na difícil tarefa de pilotar, mas a situação foi piorando a cada momento. Com o suor escorrendo por dentro do capacete, contorcendo-se na nacele, e olha que isso era bem difícil, pois o cara era enorme e o espaço dentro do Zarapa era exíguo.

 

“Só Rápido” percebendo as contorções pergunta-lhe:

― “Ô caga pau, o que é que está havendo?”

 

Todo torcido “Dorso de Terras Incultas” sussurra que está morrendo de vontade de urinar. “Só Rápido”, com cara de sem saco diz-lhe:

― “Porra negão mija no saco plástico.”

 

Disse isso e, ato contínuo, pegou os comandos do avião a fim de que o “jumaer” pudesse fazer o serviço, concentrando-se então na pilotagem.

 

“Dorso de Terras Incultas”, sem titubear rapidamente tira do bolso o saco plástico, abre o macacão extrai seu instrumento e em êxtase alivia-se, por sorte o saco que levava era grande, pois a “liquefação” do PQD, foi proporcional ao seu tamanho, enorme.

 

Terminado o vazamento, “Dorso de Terras Incultas” ficou sem saber o que fazer com aquele, literalmente, saco cheio, “Só Rápido” concentrado que estava em pilotar a garça nada percebeu. Depois de olhar para um lado e para o outro, “Dorso de Terras Incultas” não teve dúvidas, ejetaria o saco do avião, entretanto para fazê-lo, teria que abrir o canopi, pois o Zarapa não tinha nenhuma abertura por onde isso pudesse ser feito.

 

Abrir o canopi do T-23 em voo era uma tarefa hercúlea, pois nem em caso de emergência, diziam, se conseguia ejetá-lo pela alavanca existente para esse fim. Mas “Dorso de Terras Incultas” era um cabra forte da “gota serena”, sem dar tempo a nenhuma reação, abriu o canopi e, ato contínuo, lançou aos ares o saco. Como era de se esperar, pela diferença de pressão devido a velocidade do avião, o conteúdo do saco, ao invés de lançar-se ao espaço, retornou, como uma ducha, sobre os dois ocupantes.

 

Encharcado “Só Rápido” deu um urro. “Dorso de Terras Incultas” rapidamente fechou o canopi e, sem graça, deu uma de suas gargalhadas características, creio que de nervoso, o instrutor imediatamente retornou à base. Após estacionar o avião, sem uma palavra saiu bufando, enquanto “Dorso de Terras Incultas” tentava se enxugar como podia.

 

De volta à sala de briefing os dois, fedendo como gambás, chamavam a atenção de todos, “Só Rápido”, indignado contava em altos brados a história debaixo de uma sonora gargalhada dos presentes.

 

Não sei quantas “estrelas” - multas em dinheiro que eram aplicadas pelos instrutores aos alunos e cuja receita era usada para custear os churrascos comemorativos - “Dorso de Terras Incultas” teve que pagar por essa aventura, mas pela cara de seu instrutor devem ter sido muitas.

 

68-114 Brasil
Abel Brasil Pedro - Asp. Of. Av. R2