Meninos eu vi

 

É claro que eu sabia, aliás, todos nós sabíamos desde de janeiro de 2003, que nossos irmãos: Dias, Fogaça, Igreja, Machadinho, Negri, Pereira, Pohlman, Salamone, Sérgio (K’reka) e Telles Ribeiro, seguidos posteriormente pelo Damasceno e do Servan, haviam galgado os pícaros da carreira, chegando ao generalato, muito além do que a maioria de nós poderia haver sonhado naqueles dourados anos de BQ. Como disse, saber eu sabia, mas como é enorme a distância entre saber e o viver!

 

No dia em que o meu irmão Werneck me ligou convidando para ir a Canoas, prestigiar a cerimônia de passagem de comando do V COMAR, fiquei indeciso, temendo ainda não estar plenamente recuperado para sair de casa. Algo ressabiado concordei e à medida que o dia se aproximava e a intensa troca de e-mails que precederam aquele momento, mais e mais fui me enchendo de coragem e entusiasmo. Por telefone e pelo computador fui arregimentando os amigos, incentivando os indecisos, combinando com o ultraprestativo Capitão Valdivino, coordenador aqui no Rio do controle dos passageiros do C 99 que nos levaria a Canoas, a “rela” do pessoal que iria.

 

Absolutamente envolvido com os preparativos e com o susto que o meu “cologue” Werneckinho pregou em todos mal vi o tempo passar e assim chegou o dia 11 de abril. Excitado e ainda algo amedrontado coloquei, após quase dois anos, um paletó e uma gravata e aguardei a chegada de meu irmão para a imprescindível carona.

 

Chegando ao terminal de passageiros do velho Galeão recebo consternado a notícia de que o Pohlman, a quem eu queria ardentemente apertar a mão, desde o incidente com os controladores de vôo, não iria acompanhar-nos, pois visitantes importantes, inoportunos e inesperados vieram ao Rio forçando o comandante do III COMAR às honras protocolares. Ao saber quais eram os visitantes, um representante da realeza inglesa e o Presidente da República, comecei a ser entronizado na realidade do importante salto qualitativo na autoridade de meus amigos.

 

O majestoso jato C 99, um dos orgulhos da engenharia aeronáutica nacional, ainda só não percebido pelo nosso primeiro mandatário, que insiste em desfilar com uma aeronave européia ao invés de prestigiar e promover nossa indústria, decolou pontualmente às 07:30 hs. Silenciosa e suavemente singramos um céu azul magnífico, digno da patente daquele a quem íamos homenagear.

 

Muito mais rapidamente do a minha saudade de voar desejava pousamos na Base Aérea de Canoas, lar do Esquadrão Pampa, com seus F-5 maravilhosos que, aliás, provavelmente sabedores de minha paixão por eles, logo de nossa chegada, nos brindaram com uma espetacular decolagem deixando o límpido ar da manhã dos pampas vibrando com o troar de seus motores.

 

À nossa espera estava o inevitável ônibus azul de transporte da FAB, só que desta vez pilotado por um verdadeiro ás gaúcho acostumado em amansar “pingos” bravios, tal a intrepidez com que conduzia o “camelo” já cansado de guerra. Num átimo de tempo e alguns galhos quebrados das pobres árvores que sombreiam as ruas da base aérea depois, chegamos ao prédio do comando do V COMAR - 5° Comando Aéreo Regional – que já se encontrava repleto de autoridades das mais diversas patentes, armas e poderes.

 

Entre tantas personalidades busco com os olhos o meu amigo, ainda com a imagem dele que minha memória teima em guardar, como se o tempo pudesse ser retido e pudéssemos ter dezoito anos para sempre. De repente uma movimentação estranha no alto da escadaria, um senhor de cabelos grisalhos e com um fardamento igual ao de um brigadeiro, desce cumprimentando e sendo cumprimentado por todos. Algo naquele senhor parece-me familiar, aperto os olhos, para compensar o efeito dos anos na visão, outrora de águia, e distingo traços bastante familiares, ele se parece com um certo aluno do CFPM, cuja cama era encostada à minha, só que bem mais envelhecido e imponente. Sim esse oficial se parece muito com o Tainha, meu velho amigo Cafá Macete, o interceptador de Vulcans. E é aí amigos, que reside a distância entre o saber e o viver. Sim aquele majestoso oficial era o ex-precadete, ex-aluno, ex-cadete Dias agora transmutado em Major Brigadeiro do Ar. Lembro-me que o cumprimentei ainda algo aturdido e incontinente fomos para o pátio onde se procederia a passagem de comando.

 

O protocolo é rápido e pomposo e logo o Major Brigadeiro do Ar Wilmar Terroso Freitas, oficial que ao Dias acabou de transmitir o comando, inicia seu discurso de despedida de uma vida de 40 anos dedicados à Força Aérea Brasileira. Relembra seu começo, como soldado naquela mesma Base Aérea de Canoas, seu ingresso, como PQD na turma de 65 BQ, já diretamente na Escola de Aeronáutica do antigo Campo dos Afonsos. Em um discurso que é ao mesmo tempo um agradecimento à velha mãe FAB e uma retrospectiva emocionante e emocionada de sua carreira, vai me induzindo, como que em um transe, a também relembrar meus dias de caserna.

 

O café daquela manhã do carnaval de 68 em que chegamos a BQ, com o inevitável mingau de bolinhas. Os exercícios de vivacidade ao som das marchas de carnaval de eram tocadas no Andaraí. A falta de coordenação entre os movimentos de braços e pernas do 68-046 Aliverti, fazendo que ele marchasse como se fosse um robô. O primeiro contato com os uniformes que iríamos usar, demonstrados pelo Provin lá na capela. Os oficiais: Tenente Tomé, o Segadães, o Capitão Curca, os majores Batista (Xoxó) e Silveira (Cachorrão), de patentes tão distantes, quase inatingíveis, o Coronel Marques Fernandes, praticamente um deus e finalmente o Brigadeiro Camarão, esse sim uma verdadeira divindade a quem só víamos de longe. Naqueles tempos, com exceção provavelmente do Santana Dias, era inimaginável galgar o seu posto.

 

Rapidamente, como em um caleidoscópio, fatos e rostos vão passando por minha memória, aumentando minha emoção, como se ela estivesse na ala da emoção do Brig Terroso. Sem dúvidas, com todos os defeitos que possamos encontrar na FAB, o balanço final entre boas e más experiências é enormemente favorável às primeiras, foram momentos inesquecíveis, que aquecem nosso coração a cada lembrança.

 

O final do discurso trouxe-me de volta à realidade. Ainda sobre forte impacto emocional assisto ao desfile da tropa, em continência às autoridades. Desfile esse que ainda foi mais vibrante em virtude da participação do Pelotão Santos Dumont, do Programa Criança Ideal, importante obra filantrópica conduzida pelo Capelão da Base, mas que vocês não encontrarão sequer uma linha nos órgãos de divulgação, seja da FAB, seja da imprensa civil. Aliás, como tudo mais, a FAB é péssima em difundir e divulgar as obras grandiosas que pratica por todo esse país.

 

Terminada a cerimônia seguimos todos para o clube dos oficiais para um coquetel comemorativo, eu bastante revoltado com o fato da banda não haver tocado, uma única vez que fosse, o Hino do Aviador, fato imperdoável. Lá além do pessoal do Rio: Amorim; Campistrous; Ewerton; Jesus; Justiniano; Perdiza; Vasconcelos; Werneck e eu nos reunimos com o gauchal: Sergio (K’reka); Schneider; Litwinski (née Uirassú); João Alberto; Getúlio; Irber; Carminatti; Winkelmann; Biassus; Cirino – o único araúcho, ou garataca vivo – Noschang e Silva Leal. Lá pelas tantas, atendendo a uma ordem do Campistrous e como bom urso amestrado que é, chega, todo esbaforido o Igor, que largou seus afazeres em Santa Cruz do Sul após um telefonema do amigo e pôs o pé na estrada para nos encontrar.

 

Ao fim do coquetel rumamos para uma autêntica churrascaria gaúcha, Passoquinha, onde em um envolvente clima de confraternização e amizade desfrutamos de momentos inesquecíveis, de tal sorte que nem sentimos o tempo passar, tendo que sermos lembrados pelo exausto, mas simpático garçom, de que eles já estavam na hora de fechar a fim de preparar o restaurante para o movimento do jantar.

 

Dali rumamos novamente para a Base Aérea a fim de embarcarmos de volta ao Rio, não sem antes receber uma vibradora aula sobre reabastecimento aéreo ministrada pelo Biassus e o Schneider, com direito a assistir decolagens espetaculares do KC 137 de reabastecimento, primo irmão do Sucatão e de mais alguns F 5.

 

Finalmente, como tudo o que é bom dura pouco, chegou a hora de partirmos, o Dias gentilmente deixou de lado todas as atividades inerentes a uma mudança e foi até a Base para despedir-se e fazer-nos prometer nossa presença na cerimônia em que ele passará o comando da UNIFA para seu sucessor, no próximo dia 19 de abril.

 

Emocionados também nos despedimos do gauchal, sem palavras para agradecer tão soberba recepção, deixando mais uma vez patente que por mais que o tempo passe prosseguiremos SEMPRE JUNTOS.

 

68-114 Brasil
Abel Brasil Pedro - Asp. Of. Av. R2