Momentos de Esperança

20/01/2009

 

Ontem, 19/01/2009, comemorou-se nos Estados Unidos o dia daquele que, defronte do mesmo Lincoln Memorial, sob a mesma “simbólica sombra”, onde domingo Barak Obama prestou seu juramento tácito ao povo americano, disse ao mundo que tinha um sonho.

 

Em 28 de agosto de 1963 Martin Luther King declarou a uma multidão, tão esperançosa como a que ontem acorreu a receber na Capital da República, aquele que é depositário das esperanças de milhões de seres humanos em todo mundo, que tinha um sonho (I Have a Dream):

 

...”Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença – nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais...

...Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter...

...Meu país, doce terra da liberdade, eu te canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos. De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!...

...E quando isto acontecer, quando nós permitirmos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos rapidamente tornar real aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho espírito negro:

Livre afinal, livre afinal.”

 

Passados 46 anos daquela manifestação histórica, muito se avançou, em todo mundo nas conquistas das liberdades individuais. Foi um avanço lento e penoso, como sempre são as mudanças profundas do comportamento humano. Muito já foi conseguido, principalmente no país mais rico do mundo, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

 

Diariamente a imprensa globalizada nos afronta com imagens horripilantes de violências indescritíveis contra o ser humano, essa intolerância se faz notar em todo o mundo, mas e principalmente, no continente dos antepassados de Luther King, de Obama e, segundo últimos dados da antropologia, da própria humanidade.

 

A mãe África, a pátria primeva de todos nós, seguiu por séculos e séculos tendo seu povo esbulhado por gananciosos estrangeiros, que exploraram sua força bruta para, num movimento escravocrata cruel e indescritível, construir o “Novo Mundo”.

 

A revolução industrial anglosaxã e sua cínica e repentina moral libertadora, em busca de novos mercados consumidores, fez com que fossem libertados os escravos, porém sem que lhes fosse dada cidadania. Sem condições de sobreviver numa sociedade mais competitiva que então se formava, o escravo recém liberto torna-se cidadão de segunda classe naqueles países para onde foi arrastados à revelia. Como disse Luther King em seu discurso histórico:

 

─...”o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material...”

 

─...”livres do açoite sa senzala, presos na miséria das favelas” (Mangueira – 1988).

 

A ganância européia, em meados do século XIX, desloca-se do tráfico negreiro para a luta por possessões no continente africano. Essa fúria colonizadora perdura até a última metade do século XX, quando, acossadas pela guerra fria, as nações européias tratam de desfazer-se de suas colônias africanas, porém cuidando para ainda manter a influência sobre os governos títeres locais.

 

Nesse afã de libertarem as colônias, porém sem perderem o prestígio e a ascendência sobre os governantes, países improváveis se foram formando. Passada a grande maré imperialista etnias irreconciliáveis, inimigas há séculos, têm agora, por imposição da antiga metrópole, que dividirem uma mesma pseudonação.

 

Livres do feitor europeu, os povos africanos veem-se agora agrilhoados por negros, seus iguais. Massacres sucedem massacres: Biafra, Nigéria, Sudão, Congo/Kinshasa, Etiópia, Somália, Zimbábue, Angola, Ruanda são inúmeros os exemplos, mais fácil talvez seria identificar onde esses horrores não têm ocorrido em virtude da intangibilidade das fronteiras herdadas do período colonial.

 

Por outro lado, a última metade do século passado assistiu uma luta ingente dos negros trazidos para os países do novo mundo, em busca de respeito e maior participação civil, em alguns lugares lograram maiores vitórias do que em outros, onde ainda se sujeitam a viver de favores, mercês, caridades, cotas, ou bolsas.

 

Na maior democracia do mundo, onde Lutter King teve seu tão famoso sonho, estas conquistas foram obtidas um pouco mais depressa, ainda que não possamos dizer que os negros estejam plenamente integrados àquela sociedade, caso assim fosse, essa posse que hoje se comemora, com tanta emoção, não teria a enorme repercussão que está tendo.

 

Sim os negros americanos avançaram muito em termos de direitos individuais, desde aquele triste e longínquo abril de 1968, quando o sonho de liberdade foi morto pela intolerância racial, tanto que hoje o mundo celebra a posse do primeiro presidente de origem negra nos Estados Unidos da América.

 

Foi e é um gigantesco passo para essa pobre e iníqua humanidade, mas sobre seus negros ombros repousam as esperanças de milhões de despossuídos do mundo inteiro, esperanças muito maiores do que sua negra capacidade de operar mudanças, se por nada, até por falta de tempo.

 

Em seu próprio país irá receber um legado sinistro, duas guerras sem possibilidade de vitória e de saída em curto prazo. Uma recessão econômica, cujos votos daqueles que esperam que opere o milagre da recuperação foram fundamentais para que ascendesse ao poder, mas que os recursos e ativos disponíveis não permitem antever uma saída rápida e sem maiores dores.

 

Mas a personificação do sonho de Martin Luther King, com a posse de Barack Obama como 44° presidente dos Estados Unidos da América trás em si um simbolismo que não pode ser ignorado. Corações e mentes de todo o mundo estão emocionalmente preparados para abraçarem esse sonho e quem sabe acelerar a humanização do ser humano, reprimir a bestialidade com que convivemos uns com os outros, principalmente com os mais fracos, aumentar a tolerância e o respeito pelas diferenças.

 

Sim, quem sabe se agora aquele belo sonho do pastor pacifista negro, possa se tornar realidade. Hoje o mundo começa ouvir o “sino da liberdade” cantado por Luther King

 

68-114 Brasil
Abel Brasil Pedro - Asp. Of. Av. R2